quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ooopsss!

“Não te quero mais! Não serves para mãe!

“…?”

“Não me deixas fazer o que eu quero. Portanto, vou arranjar outra mãe que não me obrigue a fazer os trabalhos de casa e que me deixe fazer só o que me apetece!”

“Está bem. Podes começar a procurar uma mãe nova. Talvez tenhas sorte e encontres uma mãe que te dê toda a liberdade: te deixe ficar as horas que quiseres no computador; te deixe ficar acordado até mais tarde e, com sorte, nem se preocupe se faltas à escola; se tomas banho ou se a roupa que vestes está limpinha.”

“…Hum! Pensando melhor é preferível ficar contigo. Afinal mudei de ideias e já não quero trocar de mãe.”

“Então? Parecias tão decidido. O que te fez mudar de opinião?”

“É que se arranjo uma mãe que me deixe fazer tudo, eu não vou saber o que é certo e o que é errado.” (abracinho e beijinho gostoso. Que feliz fiquei de ser novamente readmitida na função de mãe J).

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Papão das Letras

Interiorizar o mecanismo da leitura foi sem sombra de dúvida, a mais árdua tarefa que o nosso filho teve que enfrentar até agora, no seu percurso escolar.

Embora reconhecesse as letras, juntá-las para formar palavras parecia uma tarefa hercúlea que se traduzia num esforço diário tremendamente exaustivo e desesperante para ambas as partes. A hora dos trabalhos de casa comparava-se a um campo de batalha em que, de um lado, estava o nosso filho fazendo valer a sua convicção a plenos pulmões (É muito difiiiciiilllll! Não sou capaaaaz!) e do outro nós, transpirando esforço emocional, tentando não desesperar perante a sua forte determinação.

Tornar a leitura em algo apetecível foi a primeira preocupação. Nada fácil, uma vez que para ele, tudo o que faz que não seja compreendido e executado com perfeição torna-se numa fonte de frustração, automaticamente visto como “alvo a abater”.

Felizmente habituámo-lo desde muito cedo (mesmo antes de lhe ser diagnosticado a Síndrome de Asperger) a escutar uma história antes de adormecer. É um hábito que já faz parte da sua rotina e o qual dificilmente consegue dispensar. Começámos aos poucos a “negociar” com ele para que lesse algumas palavras. Com o tempo, as palavras passaram a frases silabadas. Quase sem se aperceber, passou das frases a parágrafos. Cada etapa era festejada com fortes elogios, que aos poucos lhe iam fortalecendo o ego e aumentando a auto-estima. Hoje, já lê capítulos sem pedir que façamos uma segunda leitura, pois já compreende integralmente tudo o que lê!

Recentemente, surpreendeu-nos quando, após ter lido as instruções de uma ficha de trabalho e ter sido elogiado pelo seu esforço, repetiu a mesma leitura de uma forma silabada e imperceptível, terminando num choro fingido: “Nãããooooo seiiiii leeeerrr!... Vês mãe, era assim que eu lia!”.

Umas das leituras que mais o têm cativado (confesso, também a nós) nesta última fase são as aventuras de “Jerónimo Stilton”. Trata-se de uma colecção de aventuras protagonizadas e narradas por um simpático ratinho, repórter de profissão, que se envolve nas mais hilariantes situações. Como cúmplices nas suas aventuras conta quase sempre com a companhia da sua irmã Tea, do seu primo Esparrela e o seu sobrinho preferido, Benjamim (http://www.geronimostilton.com/).

domingo, 10 de janeiro de 2010

A Descoberta

No final do ano lectivo anterior, o nosso filho começou a aperceber-se que comparativamente aos seus colegas, reagia de um modo diferente em situações idênticas. Sentia-se triste e perturbado com o seu próprio comportamento, por vezes disruptivo e sentia que o mesmo dificultava a sua relação com os seus pares. Verbalizava frequentemente o desejo de agir como os colegas, sem no entanto o conseguir fazer.

Considerámos ser a altura ideal para que ele conhecesse a sua “história”. Com a cabecinha aninhada no meu ombro e enquanto brincava distraidamente com as minhas mãos escutou, pela primeira vez, eu dizer que ele era um menino “especial”. Tinha nascido com uma perturbação chamada Síndrome de Asperger, responsável por ele ser diferente da maioria das outras crianças e como tal possuir uma percepção diferente da realidade. Descrevi-lhe as várias características que definem um Aspie, salientando que desse conjunto, umas se evidenciam mais numas pessoas que noutras. Passei a explicar-lhe quais as características que o faziam diferente; Queria que ele não se sentisse “culpado” por não ser igual aos outros meninos; Queria fazê-lo compreender que a culpa de não agir conforme as outras crianças não era sua, mas de uma “força maior” contra a qual mais não poderia fazer que aprender a conviver, com a ajuda do tempo e todo o amor da família. Disse-lhe por fim, que no seu caso, a sua evolução tem sido muito positiva.

Escutou-me sem (surpreendentemente) me interromper. No final, estendeu o braço à volta do meu pescoço, aproximou o rosto do meu e murmurou “Queres então dizer que eu sou um Asperger incompleto?”.

Naquela noite, o sono foi mais sereno. Tinham sido espantados alguns “fantasmas” …

domingo, 3 de janeiro de 2010

Regras são Regras

Na consulta de avaliação da toma do Risperdal, estava tudo bem, à excepção do significativo aumento de peso, nos últimos dois meses.

Tens de perder peso.” Sentenciei. Olhou para mim e disse: “Quer dizer que tenho de fazer dieta?!... Deixar de comer tudo o que gosto?!”. Por breves momentos deixou que penetrasse aqueles olhos verdes acinzentados a marejarem-se de lágrimas para depois, num movimento repentino e previsível, explodir num choro desesperado e suplicante. Não queria passar fome!

Como de costume, deixei que chorasse e deitasse cá para fora todas as suas angústias e receios (não adianta tentar explicar-lhe seja o que for quando está assim…). Depois, com calma, expliquei-lhe que não iria deixar de comer o que gosta. Salvo pequenas omissões, comeria de tudo, só que em menor quantidade e dividido por várias refeições ao longo do dia. Compreendeu que seria melhor para ele fazer estes reajustamentos, antes que ficasse obeso e tivesse que suportar todos os problemas de saúde que tal estado pode acarretar.

Já lá vão duas semanas de “dieta”. Partilho convosco dois episódios protagonizados por ele, que me deixaram deveras sensibilizada e profundamente emocionada com a forma como ele levou a sério esta “missão” de regular o seu peso.

Numa destas tardes, depois de passar algum tempo na rua a brincar com alguns amigos cá do bairro, foi para casa de um deles jogar Play Station. Passado algum tempo, apareceu em casa. Chamou-me da porta e com ar de quem não se podia demorar muito tempo, perguntou-me: “Mãe, posso comer um chupa-chupa?”. “Não te posso dar um chupa-chupa. Não tenho guloseimas em casa.” – Respondi. “Não quero que me dês. É que a mãe do Rafa está a dar chupa-chupas a todos, mas eu disse-lhe que só podia comer se me deixasses. Por isso vim-te perguntar.

Antes de me dar oportunidade de resposta, juntou as palmas das mãos e em jeito de prece suplicou: “Vá lá mãe! É Nataaaal! Deixa-me comer só um. Não me deixes ficar a olhar para eles!” “Está bem! Só um.” Ainda eu não tinha pronunciado a última palavra, já ele dobrava a esquina, saltitando na direcção da casa do Rafa.

Fiquei à porta, embasbacada a pensar porque não teria ele aceite o chupa-chupa sem se preocupar em me vir perguntar (eu dificilmente descobriria que ele o tinha comido). Acredito também que se lhe tivesse negado tão saboroso momento, ele tê-lo-ia respeitado. A resposta está decerto, na rigidez com que cumpre as regras.

Outra situação teve lugar em casa de um dos seus (poucos) amiguinhos, à hora do lanche.

Quando a mãe desse menino se preparava para fazer uma tosta mista, o nosso filho apressou-se a dizer: “Para mim, um iogurte, se faz favor, que a minha mãe não me deixa comer pão.” Esqueceu-se de dizer que não o deixo é comer tanto pão, como comia.

Graças a Deus que eu tivera, anteriormente, uma conversa com a minha amiga, no sentido de a preparar para uma eventual “saída” do meu filho, sobre os seus novos hábitos alimentares.